UMA BREVE HISTÓRIA

Posso lhe contar muito e ainda mais sobre Endara, mas palavras não enchem o estômago. Somos um povo jovem vivendo em um mundo antigo. Quase nada sabemos dele, e nem sobre isto podemos jurar. Pois o passado é repleto de incertezas. Os fatos constantemente se perdem nas brumas do tempo.

Quase tudo o que sabemos não passa de lendas envoltas em crendices, repletas de superstições tolas. E isto porque somos estudiosos, passamos nossas vidas debruçados sobre velhos pergaminhos ou em longos debates com outros de nossa ordem tentando, muitas vezes em vão, recuperar e compreender. Evitar cometer os mesmos erros.

Mas, se há algo que posso afirmar com alguma certeza é que nunca tivemos um dia sequer em que não estivéssemos em guerra. Por gerações, os reinos lutaram uns contra os outros, em batalhas que hoje são lembradas como épicos grandiosos e não como o morticínio que foram de fato.

Há cerca de oitocentos anos, estes conflitos chegaram ao final, quando o mundo foi dominado por um ditador de grande poder, que se ergueu sobre todos os demais, destruiu os velhos reinos, usurpou a coroa dos antigos líderes e formou um novo império. Era Stygh, o Dragão.

Os exércitos do monarca marcharam por Endara, arrebanhando mais território, fazendo seu tesouro transbordar. Contudo, sua força também era sua fraqueza. Quanto mais distante do coração do império, menor era a influência e maior a resistência imposta pelos dominados. Em especial, de um grupo de revoltosos que cresceram em força até se tornarem oponentes dignos de atenção. Tratavam-se dos magos das três grandes Guildas Arcanas: os ilusionistas da Luminar, os artífices da Skelos e os necromantes da Confraria.

Liderados por Donaire, o Grão-mestre da Magia, a pequena semente de revolta se espalhou através dos reinos conquistados como um câncer, até que milhares marcharam em direção à capital para se confrontarem com os exércitos do Império. Após oito anos de batalhas, enfim Donaire confrontou-se contra Stygh, que pereceu ao custo da destruição de toda a capital, a cidade de Azzuria.

Isto foi há mais de duzentos anos.

Com a queda de Stygh, os magos acreditavam que seu grão-mestre se tornaria naturalmente o novo imperador. Mas isto não ocorreu. Os reinos antes oprimidos pela força do Dragão não tardaram a se declarar livres. Lordes ressurgiram como reis, velhas dinastias clamaram seu direito ao trono e a carnificina se espalhou pelo continente com um novo agravante: os magos que haviam provado o gosto da nobreza e não desejavam abrir mão do que haviam conquistado. Dentre eles também haviam os que clamavam por seu direito à terras e títulos.

Estes pontos de vista distintos foram responsáveis pela quebra das seculares Guildas Arcanas, com seus membros divididos entre aqueles que apoiavam a propensão de Donaire e os que buscavam a independência dos reinos, por interesses próprios ou de suas famílias. Alianças foram forjadas e abandonadas inúmeras vezes enquanto o sangue corria, alimentando um verdadeiro mar de mortes. Sem descanso. Sem um único dia de paz.

Oprimidos, os povos livres clamaram pela ajuda dos céus na esperança por dias melhores. E foram ouvidos. Os deuses Eternos se envolveram no conflito. Foi quando descobriram que o grão-mestre tinha uma sede por poder infinita. Donaire desejava dominar toda a realidade. Tornar-se o único deus.

A batalha foi terrível, e ao findar dela, restou apenas a ruína. Ao colocar a própria existência em risco, os Eternos pagaram um preço altíssimo. Mas, enfim, derrotaram Donaire. Com a morte dele, a Era da Magia chegou ao final, abrindo as portas para um novo tempo de reconstrução e descobertas. A Nova Era, os dias de hoje.

Quanto a nós, podemos apenas escrever pelo tempo que nos couber. Até que um novo Imperador surja, e a história volte a mudar.

Aschelot da Skelos,
Mago e Escriba.